top of page

É possível extrair DNA ("touch DNA" ou "transfer DNA") de cartuchos deflagrados?

​

​

​​ Em 14.06.2020

          Sim, é possível. Entretanto, cartuchos deflagrados (Figura 01) não são comumente coletados com a finalidade de extração de DNA*, e isso talvez se deve ao insucesso histórico em se obter um perfil completo de DNA dos mesmos. Pensava-se que as altas temperaturas das câmaras de ejeção de uma arma de fogo, e do próprio cartucho deflagrado (a pólvora no cartucho pode alcançar até 1.800º C por 0,5 a 5 milissegundos), poderiam ser suficientes para degradar qualquer molécula de DNA eventualmente existente na superfície destes cartuchos. Além disso, a quantidade ínfima de DNA (‘touch DNA’ ou ‘transfer DNA’) existente no próprio cartucho pode também ser uma explicação para a falta de êxito nas tentativas de amplificação de DNA coletado destes materiais extraídos de uma cena de crime.

Figura 01. Fotografia de cartuchos deflagrados coletados em um local de crime (Fonte: O autor). É possível observar no desenho ao lado a nomenclatura dos elementos de um estojo.

          Em 2009, Horsman-Hall e colaboradores estudaram a extração de DNA** de cartuchos deflagrados e de algumas partes das armas de fogo utilizadas nos testes em laboratório e os resultados não foram muito animadores para algumas partes das armas analisadas, por resultar em DNA com altos níveis de mistura de fontes exógenas***, mas foram promissores quando se analisou apenas os cartuchos deflagrados. Tal artigo científico apresentou uma quantidade razoável de DNA extraído, e que forneceu perfis genéticos parciais em maior parte das situações analisadas. Isso já pode ser útil para uma eventual coincidência e identificação genética de um criminoso. Foram utilizados neste estudo os seguintes kits convencionais de amplificação de STRs (Short Tandem Repeats): AmpFlSTR Minifiler, Identifiler e PowerPlex 16. A análise efetuada com mini-STRs (no caso do AmpFlSTR Minifiler) amplifica fragmentos em torno de 50-280 pares de bases, maximizando as chances de encontrar todos ou a maioria dos alelos numa análise genética de material degradado, aumentando a taxa de sucesso na amplificação e genotipagem como um todo. Portanto, o kit usando o AmpFlSTR Minifiler obteve maior sucesso neste estudo.

        A recente revisão de Montpetit (2019) deixa claro que extrair DNA de cartuchos (íntegros ou deflagrados) e de projéteis coletados em locais de crime é uma realidade já disponível na rotina forense, usando distintas técnicas de recuperação desse DNA, bem como purificação e amplificação do mesmo. Embora existam boas evidências de que os cartuchos confeccionados em cobre interferem inibindo a amplificação do DNA na Reação em Cadeia da Polimerase (PCR – Polymerase Chain Reaction), estudos adicionais merecem esclarecer esse efeito. É importante dizer, no entanto, que a temperatura alcançada no corpo dos próprios cartuchos não chega a 98º C, apesar das altas temperaturas alcançadas durante a queima da pólvora, mencionada anteriormente. Outra consideração relevante é que a quantidade de DNA extraído de um cartucho (íntegro ou deflagrado) ou projétil dependerá da capacidade de um determinado indivíduo de transferir seu DNA para o objeto manipulado, bem como do tempo decorrido entre esta transferência e o processamento dos vestígios no local do crime/laboratório de DNA forense.

          Mais recentemente, Bille et al. (2020) indicou um novo protocolo para realizar a recuperação de DNA em cartuchos deflagrados. Neste estudo, os autores sugeriram a coleta dos cartuchos com um equipamento próprio e utilizaram reagentes específicos para a extração de DNA. Com este método, segundo os autores, perfis genéticos completos foram obtidos de algumas das amostras analisadas, com uma quantidade de DNA variando de 200 picogramas a 14 nanogramas. De toda forma, hoje em dia a questão não é mais se é possível recuperar DNA de cartuchos (íntegros ou deflagrados) ou projéteis, visto que a resposta para este questionamento é positiva. No momento, práticas periciais (técnicas de coleta e armazenamento) e de laboratório (extração, purificação e amplificação de DNA) estão sendo mais bem desenvolvidas para tentar maximizar a quantidade do DNA recuperado.

Cartuchos deflagrados.jpg
partes de um estojo.jpg

* O perito de local de crime deve acondicionar individualmente em um invólucro plástico (Figura 02), cada cartucho deflagrado coletado no local do crime, para posterior extração de material biológico usando a técnica do Duplo Swab original ou adaptada (ver este comentário). Importa mencionar que o swab deve ser passado em todo o cartucho deflagrado, dando maior ênfase ao corpo do estojo, e também na porção interna do invólucro onde os cartuchos foram acondicionados na cena do crime.

​

** O método de extração orgânica de DNA no estudo de Horsman-Hall et al. (2009) forneceu menor quantidade de DNA extraído, em comparação com outros três métodos utilizados para a extração de DNA. Entretanto, outros estudos indicam resultados diferentes a respeito de qual a melhor técnica utilizada para extração de DNA. A quantidade média de DNA recuperado na extração de 29 amostras simuladas neste estudo foi de 395,6 picogramas.

​

*** DNA de toque (touch DNA) ou DNA de transferência (transfer DNA) existente no corpo do estojo pode ser levado para as superfícies internas da arma (câmara do cano, porta de ejeção, etc.), durante o disparo da mesma.

invólucros plásticos.JPG

Figura 02. Invólucros plásticos sugeridos (8x11cm ou 10x20cm) para acondicionamento individualizado de cartuchos deflagrados (ou íntegros) coletados em um local de crime (Fonte: O autor).

E você? Já tentou conseguiu coletar DNA de cartuchos deflagrados? Conte-nos sua experiência por email. Quem sabe possamos escrever juntos um artigo científico sobre esta experiência? ;-)

Tem dúvidas sobre o assunto? Não perca tempo, faça perguntas, sugestões ou até mesmo críticas ao autor deste comentário através do email splicinginminds@gmail.com

- Referências Sugeridas -

​

​

Bille, TW, Fahrig G, Weitz SM, et al. An improved process for the collection and DNA analysis of fired cartridge cases. Forensic Sci Int Genet. 46: 102238. 2020.

​

Horsman-Hall, KM, Orihuela, Y, Karczynski SL, et al. Development of STR profiles from firearms and fired cartridge cases. Forensic Sci Int Genet. 3 (4): 242-250. 2009.

​

Montpetit, S. Obtaining DNA from ammunition: A review. WIREs Forensic Sci. e1392. 2019.

Dr. Caio Cesar Silva de Cerqueira

Biólogo – Geneticista – Perito Criminal

Criador do Site www.operito.com.br

bottom of page