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Análise de local de crime na rotina forense e as perspectivas da perícia criminal

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​​ Em 02.06.2020

          É bastante difícil um crime ocorrer sem deixar vestígios materiais (Velho et al., 2013). Baseando-se neste princípio, conhecido como o princípio da transferência (ou princípio de Locard), é que nós, peritos criminais, somos capazes de buscar a verdade de um fato delituoso através do levantamento de local de crime, descrevendo a materialidade das interações entre um autor, local e a vítima, registrando-a num laudo pericial e, muitas vezes, elucidando até mesmo boa parte da dinâmica de uma ocorrência delituosa e apontando seu autor. Desta forma, o trabalho pericial em locais de crime se reveste da mais alta importância para a justiça criminal, uma vez que a produção de prova objetiva e imparcial, bem como a busca da verdade dos fatos, se reflete diretamente no convencimento do juiz sobre o que de fato ocorreu, e sua adequada resolução na persecução penal.

          O nosso próprio Código de Processo Penal (1941), em seu Artigo 158, diz: “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. Ora, se todo (ou quase todo) crime deixa vestígios, então o exame pericial deve ser realizado em todas e quaisquer circunstâncias onde houver providências da polícia para a elucidação de um fato. Importa mencionar aqui que, eventualmente, alguns crimes podem não deixar vestígios evidentes. Nestes casos, o acionamento de um expert para elucidar a materialidade do fato se torna ainda mais importante, sendo que o isolamento e preservação do local da ocorrência, tanto da área imediata quanto a mediata, pelos primeiros policiais que chegarem à ocorrência, é fator decisivo para o sucesso no trabalho da perícia.

          A delimitação física dos perímetros de uma cena de crime (perímetro de segurança e perímetro de processamento), assim como a resolução de eventuais emergências médicas e procedimentos de segurança feita pelos policiais/ agentes públicos antes da chegada da equipe pericial deve ser realizada com o máximo de cuidado para não contaminar ou desfazer os vestígios deixados na cena. Da mesma forma, quando da chegada da equipe técnica no local, estes também devem se deslocar respeitando os mesmos caminhos de acesso ao local do crime, a fim de realizar seus trabalhos com a máxima integridade possível. Importa dizer que o trabalho realizado pelo perito criminal de local de crime começa antes mesmo do acionamento, através da verificação dos recursos materiais básicos para realização do levantamento. A análise de um crime envolve inicialmente a chegada no local, reunião preliminar com a equipe técnica para ordenar o trabalho, coleta de informações sobre os comemorativos do caso e, em seguida, a busca dos vestígios, seguindo os procedimentos de praxe exigidos para a situação específica, a saber: busca em espiral, busca por quadrante, busca em linha, etc, bem como a descrição narrativa minuciosa de tudo que for observado no local, registrando tudo com fotografias tanto contextualizadas como “em close”, com e sem uso de escalas. Eventualmente, faz-se necessário proceder à confecção de croqui ilustrativo do local dos fatos, com o posicionamento exato dos vestígios, a fim de que haja melhor compreensão e interpretação dos fatos ocorridos por parte dos profissionais/ interessados que terão acesso ao laudo pericial posteriormente. Após este levantamento com a devida documentação do contexto da cena do crime, se iniciará a etapa de coleta dos vestígios encontrados. Nesta etapa, deve ser levada em conta as características de cada um dos vestígios e suas necessidades de acondicionamento, embalagem e transporte (Velho et al., 2015). Por fim, uma reunião final com todos os integrantes da equipe técnica de processamento do local da ocorrência definirá se tudo foi feito adequadamente, preenchendo eventuais lacunas ainda existentes, sendo feito depois a liberação do local para a autoridade policial e o encerramento do trabalho técnico-pericial.

          Dentro do contexto dos vestígios não evidentes numa cena de crime, importa mencionar algumas das inúmeras tecnologias disponíveis para o levantamento destas provas materiais latentes ou escondidas. Tradicionalmente, se usa na rotina forense pós e pincéis de diferentes texturas e características, ou outros produtos químicos para revelação de impressões dígito-papilares, como o cianoacrilato, iodo, ninidrina, entre outros componentes, muitas vezes tóxicos (Figura 01). Além disso, para detectar a presença de sangue humano, esperma, urina, entre outros materiais biológicos num local de crime, ao menos preliminarmente com testes de orientação (ou presuntivos) e/ou até mesmo testes de certeza (favor consultar Dias-Fiho & Francez, 2016, para maiores detalhes), tem-se usado reagentes químicos diversos na prática pericial, muitos dos quais também prejudiciais à saúde, inflamáveis e/ou voláteis, sendo extremamente arriscado e, muitas vezes, inviável, a condução destas substâncias numa viatura por vários quilômetros, considerando o raio de atendimento de muitas equipes de perícias nos institutos de criminalística do país, e considerando também as condições adversas presentes nas estradas que temos no Brasil. Mesmo assim, tais análises geralmente são realizadas e os resultados podem ser registrados com provas fotográficas usando lanternas forenses com distintos comprimentos de onda, associadas a filtros (óculos ou lentes) para melhor visualização dos componentes investigados. Em outras palavras, contamos hoje com uma infinidade de reagentes e equipamentos à disposição para análise e levantamento de um local de crime.

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Figura 01. Alguns dos diversos equipamentos utilizados na rotina forense da perícia criminal no país (Fonte: http://cienciacontraocrime.blogspot.com/2011/08/maleta-de-local-de-crime.html - Fótógrafo Técnico-Pericial de SP: Gilberto Toyota).

         Uma tecnologia com papel de destaque no auxílio às investigações em locais de crime, bastante moderna e promissora, e que resolve muitos dos problemas relacionados à exposição dos profissionais aos componentes tóxicos mencionados anteriormente no atendimento pericial é o chamado “Sistema de imagem multiespectral móvel” que, reunindo um único equipamento acoplado a um Tablet, desenvolvido pela empresa ForenScope (http://www.forenscope.com/ - Figura 02), é possível detectar sangue latente, fluidos corporais como saliva, urina e sêmen, além de resíduos de disparo de armas de fogo, inclusive em superfícies escuras ou complexas com imagem macro e micro, com recursos de visualização e tomada de imagens destes vestígios, arquivamento e transferência de dados. Este conjunto de equipamentos lançados pela ForenScope reúne luzes forenses e lentes intercambiáveis (inclusive lentes macro e micro, com detecção no espectro ultravioleta, visível e infravermelho) em um só aparelho, e também possibilita a detecção e captura por fotografia ou vídeo de impressões digitais eventualmente existentes no ambiente analisado. Ou seja, tal equipamento substitui em apenas um único aparelho o uso de vários outros materiais/reagentes, como aqueles mencionados no parágrafo anterior. É sem dúvida um equipamento extremamente útil e que leva um laboratório forense completo para uma cena de crime, não a cena para o laboratório, promovendo um levantamento técnico-pericial de qualidade e sem expor o profissional aos reagentes tóxicos disponíveis atualmente no mercado. Tal tecnologia permite também a identificação dos vestígios de forma extremamente rápida e com alta acurácia, fornecendo uma razoável economia de tempo no atendimento dos locais, levando-se em conta que muitas vezes não é possível a realização de exames detalhados em todos os locais de crime atendidos, tanto pela alta demanda de ocorrências quanto pelo alto número de municípios atendidos, muitas vezes por apenas uma única equipe técnica plantonista.

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Figura 02. Página do website http://www.forenscope.com/ mostrando o equipamento com a tecnologia conhecida como “Sistema de imagem multiespectral móvel”.

          Como vimos, a função da perícia criminal no levantamento de cenas de crime diversas é extremamente útil para esclarecer a verdade real dos fatos, fornecendo elementos essenciais para a promoção da justiça do país. Este esclarecimento só é possível muitas vezes com o uso de equipamentos e materiais específicos, e também com a adequada preservação do local feita previamente pelos policiais que atendem primeiro a ocorrência. Portanto, pela relevância que possui a perícia no estabelecimento da justiça, tal função deve ser cada vez mais valorizada pela sociedade civil, e principalmente por nossos políticos e gestores, no intuito de fornecer os recursos materiais e condições mínimas necessárias para a execução deste belíssimo trabalho.

Tem dúvidas sobre o assunto? Não perca tempo, faça perguntas, sugestões ou até mesmo críticas ao autor deste comentário através do email splicinginminds@gmail.com

- Referências Sugeridas -

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Brasil. Código de Processo Penal Brasileiro (1941). DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 03 DE OUTUBRO DE 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-lei/Del3689compilado.htm>. Acesso em: 02/02/2020.

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Dias-Filho, C; Francez, PAC. Introdução à Biologia Forense. 1ª Edição. Campinas/SP: Editora Millennium. 2016. 370p.

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Velho, JA; Costa, KA. Damasceno, CTM. Locais de crime: dos vestígios à dinâmica criminosa. Campinas/SP: Editora Millennium. 2015. 572p.

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Velho, JA; Geiser, GC; Espindula, A. Ciências forenses: uma introdução às principais áreas da criminalística moderna. 2ª Edição. Campinas/SP: Editora Millennium. 2013. 470p.

Dr. Caio Cesar Silva de Cerqueira

Biólogo – Geneticista – Perito Criminal

Criador do Site www.operito.com.br

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